Artigos recentes sobre MERCOSUL de Paulo Nogueira Batista Jr
(14/07/06)
A ampliação do Mercosul
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. | FSP, 8.JUN.2006
"E PUR si muove." Aos trancos e barrancos, a integração da América do Sul continua avançando. Bem sei que não é essa a impressão dominante.
Grande parte da mídia brasileira cobre o assunto com má vontade e tende a exagerar as dificuldades e os tropeços. A julgar pelo noticiário, o projeto sul-americano está em frangalhos, e o Mercosul, na UTI. Os nossos conflitos de interesse com a Bolívia, por exemplo, receberam mais destaque do que um fato muito mais importante: a conclusão das negociações para a adesão da Venezuela ao Mercosul, que aconteceu no final de maio, em Buenos Aires.
Ficou estabelecido que, no prazo máximo de quatro anos, a Venezuela adotará a TEC (Tarifa Externa Comum) e as demais normas do Mercosul. E passará a integrar, desde logo, a delegação do bloco em negociações com terceiros. A liberalização do comércio entre a Venezuela e os países do Mercosul se fará de forma gradual, levando em conta as assimetrias entre os participantes.
Argentina e Brasil se comprometeram a alcançar o livre comércio com a Venezuela em janeiro de 2010. Paraguai e Uruguai, em janeiro de 2013. A Venezuela, por sua vez, chegará ao livre comércio com os demais integrantes do bloco em janeiro de 2012, exceto para os principais produtos de exportação do Paraguai e do Uruguai, que terão livre acesso imediato ao mercado venezuelano. Os cinco países terão até janeiro de 2014 para liberalizar o comércio de produtos considerados "sensíveis".
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, envolveu-se pessoalmente na negociação, favorecendo a rápida conclusão de um processo que poderia ter durado meses. A sua recente decisão de retirar a Venezuela da Comunidade Andina de Nações viabilizou a adesão ao Mercosul. O próximo passo é incorporar a Bolívia ao bloco. Essa adesão é vista com bons olhos pelos governos da Argentina, do Brasil e da Venezuela. Também conta, ao que parece, com a simpatia do governo da Bolívia.
O Equador, cujas negociações comerciais bilaterais com os Estados Unidos foram suspensas, é outro país com o qual o Mercosul poderá buscar uma aproximação. Em paralelo, Brasil e Argentina terão de trabalhar para impedir a defecção do Paraguai e, sobretudo, do Uruguai. O próprio governo brasileiro admite que os interesses dos países pequenos do Mercosul não têm sido suficientemente contemplados.
No Brasil, lobbies domésticos conseguem se valer, por exemplo, de normas sanitárias ou da legislação "antidumping" como instrumentos de proteção, dificultando o acesso das exportações desses países ao mercado nacional. O fundamental é não perder de vista que existem dois projetos concorrentes de integração na América do Sul: o do Mercosul e o dos Estados Unidos.
Com o impasse na negociação da Alca, Washington voltou-se para acordos bilaterais. A fórmula é sempre a mesma e a sua aceitação consagra a situação de dependência em relação aos Estados Unidos. É o modelo Nafta-Alca: poucas concessões em termos de acesso adicional ao mercado dos Estados Unidos e grande perda de autonomia em diversas áreas cruciais (política comercial, política industrial, tratamento do capital estrangeiro, compras governamentais, propriedade intelectual, entre outras).
O primeiro acordo desse tipo na América do Sul foi com o Chile. Mais recentemente foram concluídos tratados com a Colômbia e o Peru, o que resultou, na prática, na implosão da Comunidade Andina de Nações, sacramentada pela saída da Venezuela. Os resultados das recentes eleições colombianas e peruanas, principalmente a vitória de Alvaro Uribe na Colômbia, favorecem a ratificação dos tratados de livre comércio com os Estados Unidos. Alan García é menos previsível.
Por isso mesmo, a quinta-coluna peruana está neste momento tentando aprovar às pressas o acordo no Congresso, antes da troca de governo. De qualquer maneira, a maior parte da América do Sul está tomando outro rumo. Com a entrada da Venezuela, o Mercosul passa a constituir um bloco de mais de 250 milhões de habitantes, com uma área de 12,7 milhões de km2. O PIB do bloco supera US$ 1 trilhão, correspondendo a cerca de 75% do PIB sul-americano.
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O muro
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. | FSP, 18.maio.2006
A Alvaro Alencar In memoriam
Os nossos amigos (muy amigos) norte-americanos são mestres consumados na prática da duplicidade. Por um lado, querem o máximo de liberdade para as suas corporações. Por meio da Alca ou de tratados bilaterais de "livre comércio", procuram garantir às suas empresas oportunidades amplas e se possível irrestritas para exportar, investir, prestar serviços e participar de concorrências governamentais. Pretendem, em tese, estabelecer o império da livre concorrência e da liberdade de mercados na América Latina.
Por outro lado, Washington se recusa a aplicar o princípio da liberdade a setores em que a economia dos EUA tem dificuldades de competir internacionalmente (agricultura e diversas indústrias tradicionais). E outra: a liberdade econômica não vale para os trabalhadores latino-americanos. O acesso ao mercado de trabalho nos EUA estará sujeito a restrições cada vez mais rigorosas, mesmo para pessoas oriundas de nações que tenham feito todas as concessões econômicas pretendidas por Washington e pelos lobbies corporativos norte-americanos.
Morreu anteontem o embaixador Alvaro Alencar, um dos mais importantes diplomatas brasileiros da sua geração. Entre muitas qualidades, ele possuía a de explorar, com ironia e habilidade, as contradições entre o discurso e a prática dos EUA e de outros países desenvolvidos. Foi um dos nossos grandes negociadores e a ele dedico o artigo de hoje.
Desde janeiro de 2001, o governo americano aumentou em 66% as despesas com a segurança das fronteiras, reforçando consideravelmente o muro que separa os EUA do México, conhecido como o Muro de Nogales, em referência às cidades fronteiriças mexicana e americana desse nome.
O contingente da patrulha de fronteira foi ampliado de cerca de 9.000 para 12.000 Nos últimos cinco anos, 6 milhões de pessoas que tentavam entrar ilegalmente nos EUA foram presas e expulsas.
Nesta semana, o presidente dos EUA, George W. Bush, fez um pronunciamento à nação sobre o problema do controle da imigração. Anunciou medidas adicionais para garantir a segurança das fronteiras, "responsabilidade básica de uma nação soberana" e "necessidade urgente da nossa segurança nacional". O número de agentes da patrulha de fronteira será aumentado para 18.000. De imediato, como medida de transição, até 6.000 membros da Guarda Nacional serão enviados para a fronteira com o México.
Além disso, o governo construirá cercas de alta tecnologia em corredores urbanos e novas barreiras e estradas de patrulhamento em áreas rurais. Serão empregados sensores de movimento, câmeras infravermelhas e veículos aéreos não-tripulados para detectar e responder a tentativas de entrada ilegal nos EUA.
Por incrível que possa parecer, o "companheiro Bush" é relativamente moderado. Setores radicais do Congresso, principalmente do Partido Republicano, querem ir ainda mais longe. Em dezembro de 2005, a Câmara de Representantes aprovou, por 239 a 182 votos, um projeto de lei draconiano que determina, entre muitas outras medidas de repressão, a construção de um muro de até 1.120 quilômetros ao longo da fronteira com o México.
Foi contra essa iniciativa que pelo menos 1 milhão de pessoas foram às ruas em diversas cidades americanas no último dia 1º de maio, quando imigrantes ilegais e aqueles que os apoiavam estimularam a suspensão das compras e o não-comparecimento ao trabalho e às escolas para marcar "um dia sem imigrantes".
Em junho de 1987, o então presidente dos EUA, Ronald Reagan, pronunciou em frente ao Muro de Berlim discurso que ficaria célebre. Na frase culminante, muito citada até hoje, ele fez o apelo dramático: "Mr. Gorbatchov, tear down this wall!" ("Sr. Gorbatchov, derrube este muro!"). Bem que os líderes latino-americanos poderiam reunir-se em Nogales, ou alguma outra cidade mexicana da fronteira com os EUA, para lançar novo e irônico apelo: "Mr. Bush, tear down this wall!".
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Nacionalismo de araque
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. | FSP, 11.maio.2006
A crise com a Bolívia desencadeou, em certos meios políticos e jornalísticos brasileiros, uma súbita e veemente onda nacionalista. O clima é de indignação ruidosa e preocupação alarmada com os interesses nacionais. Há muito tempo não se vê tanta ênfase patriótica na imprensa e no Congresso. Até notórios integrantes da famigerada quinta-coluna enrolaram-se na bandeira nacional e exigiram providências duras contra o país vizinho. São os mesmíssimos políticos, jornalistas e economistas que se notabilizam por grande docilidade quando há conflitos de interesses, não com a pobre Bolívia, mas com os Estados Unidos ou outros países desenvolvidos. Um espetáculo edificante.
O Brasil não deve reagir com violência às decisões do governo boliviano. Primeiro porque a Bolívia tem os seus argumentos e razões, que não podem ser desprezados. Segundo porque a exacerbação do conflito não interessa ao Brasil. Apesar das divergências com a Petrobras e outras empresas brasileiras, a Bolívia é nossa aliada natural. Retaliações e medidas drásticas afetariam não só as nossas relações com esse país mas todo o projeto de integração da América do Sul.
A aliança sul-americana enfrenta obstáculos consideráveis, como se sabe. As relações entre Brasil e Argentina têm altos e baixos. Os sócios menores do Mercosul, Paraguai e Uruguai, estão volta e meia tentando atuar em faixa própria. A Venezuela é uma parceira hiperativa e turbulenta.
É bem verdade que o Brasil, país de dimensões continentais, grande população e economia razoavelmente diversificada, não necessita, a rigor, do resto da América do Sul para construir o seu projeto de desenvolvimento econômico e social. Se os nossos vizinhos resolverem tomar o caminho do caos ou da subordinação pura e simples aos Estados Unidos (uma hipótese não exclui a outra), o Brasil não precisará acompanhá-los. De qualquer maneira, não há dúvida de que a integração continental reforçará muito consideravelmente o potencial de desenvolvimento e a posição internacional do Brasil. O verdadeiro nacionalismo brasileiro tenderá, portanto, a ser tolerante e flexível com os nossos vizinhos menores e menos desenvolvidos, como a Bolívia.
O Brasil tem cometido erros. Foi basicamente omisso quando o governo argentino enfrentou o grande desafio da reestruturação de sua dívida externa. Em alguns momentos, integrantes da equipe econômica do então ministro Palocci chegaram a trabalhar contra a Argentina nos bastidores, provocando protestos do presidente Kirchner. O Brasil também não fez o suficiente pelos sócios menores do Mercosul, como admitiu o ministro Celso Amorim. Washington, evidentemente, aproveita-se de brechas desse tipo. Sempre que pode, trabalha ativamente para alargá-las. Os Estados Unidos nunca verão com bons olhos a formação de um bloco na América do Sul.
Mas as condições gerais continuam basicamente favoráveis à integração sul-americana. O chamado "Consenso de Washington" não deu os frutos esperados. As políticas econômicas apoiadas pelo governo dos EUA e pelas entidades multilaterais de financiamento fracassaram em muitos países da nossa região, às vezes de forma espetacular. As forças políticas sul-americanas mais alinhadas com os EUA foram caindo uma a uma, seja por derrotas eleitorais, seja por rebeliões populares. Graças às truculências do "companheiro Bush", o prestígio dos Estados Unidos entrou em declínio no mundo inteiro e na América do Sul em particular.
O essencial, portanto, é não perder de vista os interesses estratégicos do Brasil. O mundo será multipolar, queiram ou não os ideólogos que predominam ou predominaram na administração Bush. Ao Brasil cabe trabalhar com calma e cabeça fria para que, ao longo dos próximos anos, a América do Sul se constitua em um pólo coeso, dinâmico e independente.
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