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Blocos comerciais sob a sombra do fracasso

(13/02/05)


As três grandes negociações comerciais das quais o Brasil participa – Área de Livre Comércio das Américas (Alca), acordo Mercosul-União Européia e a Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) – iniciam o ano com a sombra do fracasso ameaçando tomar conta das mesas de discussões. Em graus diferentes, elas foram prejudicadas por desentendimentos entre os países que tentam estabelecer novas regras no comércio internacional. Caso não haja avanços em 2005, há o risco de as conversas serem atropeladas por acertos isolados entre algumas nações. Segundo o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) já existem cerca de 300 acordos deste tipo e a tendência é que eles aumentem.

O principal problema desses contratos de preferência comercial assinados entre poucas nações é que eles não alteram o desequilíbrio de forças que existe nas relações internacionais. O foco normalmente é a redução de tarifas e dificilmente se discutem temas mais delicados, como subsídios e regras técnicas que impedem o acesso a um mercado. Esses assuntos entram na pauta das grandes rodadas, que não podem ser analisadas isoladamente.


A maior negociação em andamento é na OMC, que tem 143 países-membros. Ela influencia o andamento de outras discussões porque diplomatas de diversos países, inclusive o Brasil, preferem resolver alguns temas neste órgão. O fim dos subsídios agrícolas concedidos pelos países desenvolvidos é o assunto que mais interessa à maioria das nações em desenvolvimento e tem sido o ponto mais controverso na OMC. Os desacordos em relação à agricultura ficaram claros na última cúpula ministerial da rodada, que ocorreu em Cancún, no México, em 2003. Estados Unidos e União Européia apresentaram uma proposta para o setor que foi considerada insuficiente por diversos países em desenvolvimento. Desde então, as conversas em torno do assunto estão praticamente congeladas.

O descompasso na OMC foi seguido pelo travamento das conversas sobre a Alca. A reunião do Comitê de Negociações do bloco em Puebla, no México, no começo de 2004, também foi improdutivo. O Mercosul propôs um modelo de Alca light, em que seria feito um acordo bastante restrito. A idéia foi aceita pelos outros parceiros do bloco. "O termo light vem do número de setores a serem liberalizados, que seria menor do que inicialmente esperado. Questões mais controversas, como agricultura, compras governamentais e propriedade intelectual seriam deixadas para um segundo momento", explica o professor de Relações Internacionais Eduardo Saldanha, da Faculdades Integradas Curitiba (FIC).

Só que isso não resolveu os impasses. Os termos do acordo foram revistos por um grupo de 14 países, incluindo Estados Unidos, para se aproximarem da Alca light proposta pelo Mercosul. Mesmo assim, o bloco sul-americano não concordou com alguns termos usados na negociação que abririam a possibilidade de que setores importantes para o Mercosul ficassem de fora do acordo.

A retomada das conversas depende muito da posição da diplomacia brasileira, que já pediu a abertura de discussões entre o bloco e os Estados Unidos. “A competitividade dos Estados Unidos é enorme e há diferenças brutais dentro do continente. Por isso é tão difícil chegar a um acordo”, analisa o especialista em Relações Internacionais José Alves Donizeth, professor da Universidade Nacional de Brasília (UNB).

A negociação que andou melhor em 2004 foi com a União Européia. Mas na última reunião, na qual os blocos apresentaram suas ofertas para redução de tarifas, houve um impasse. “A oferta da UE incluiu 90% do que o Mercosul exporta para lá. Para os outros 10%, que incluem os produtos agrícolas, foi mencionada a negociação de cotas”, destaca Eduardo Saldanha. Já o Mercosul apresentou uma lista de produtos sensíveis (aqueles que precisam ser protegidos dos importados) que abrangia 68% das importações vindas da UE. “Para viabilizar uma conclusão, os europeus exigem uma redução da lista de sensíveis, em especial no setor industrial”, diz Saldanha. Neste ano, as delegações das duas regiões voltam a conversar sobre as listas para a abertura comercial e têm a missão de aproximar as ofertas antes que o acordo desmorone.

Guido Orgis



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