Bye-bye emergentes
(31/05/04)
Por Angelo Pavini De São Paulo
A onda de liquidez internacional que invadiu os mercados emergentes no ano passado e no começo de 2004, provocando altas em quase todas as bolsas e títulos desses países, está refluindo, deixando em seu caminho um rastro de perdas. O movimento reflete a expectativa de alta dos juros americanos e seu efeito sobre os investimentos internacionais e sobre a saúde dos países em desenvolvimento.
Segundo dados da empresa de acompanhamento de fundos internacionais EmergingPortfolio.com, nas quatro semanas encerradas no dia 20, os fundos de ações dedicados a mercados emergentes perderam US$ 4,7 bilhões dos US$ 5,9 bilhões captados este ano. A pesquisa envolve 706 fundos que aplicam nas bolsas de países emergentes da Ásia, Europa, África e América Latina. Só na segunda semana de maio, a perda foi de US$ 1,8 bilhão, a maior saída semanal desde que a pesquisa começou a ser feita, em 2000, reduzindo o patrimônio total desses fundos para US$ 90,4 bilhões.
No caso da América Latina, o patrimônio total dos fundos caiu de US$ 3,566 bilhões para US$ 2,683 bilhões no ano. Descontando a perda de rentabilidade, os saques no ano ficaram em US$ 150 milhões, uma perda líquida de 4,6%. Mas, só nas quatro semanas encerradas em 20 de maio, os resgates foram de US$ 260 milhões. Nos fundos dedicados ao Brasil, a perda líquida foi proporcionalmente maior: os saques foram de US$ 167 milhões, ou 20,72% no ano. O patrimônio total desses fundos caiu de US$ 880 milhões para US$ 517 milhões.
Apesar desses números, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) ainda registra saldo positivo neste ano. Os números, porém, são bem menores do que os registrados até fevereiro. A explicação é que, apesar da saída dos fundos dedicados (que aplicam somente numa região ou país), outros investidores estrangeiros - bancos, fundos globais - ainda estão mantendo aplicações no país. Outra explicação diz respeito ao conceito de estrangeiro: grande parte dos recursos investidos nesses fundos dedicados é na verdade de brasileiros, aplicados em private banks no exterior, que reagem mais aos fatores internos de curto prazo do que os estrangeiros legítimos. Por isso, a tendência é de esses fundos dedicados seguirem os investidores locais. E boa parte da perda da bolsa vem de resgates de investidores locais, especialmente tesourarias de bancos, fundos de ações e de pensão. "São os investidores locais os que mais têm tirado dinheiro da bolsa", diz Walter Mendes, diretor de Renda Variável do Banco Itaú. Só os fundos de ações tiveram saques de R$ 1,6 bilhão no ano.
Já o movimento do estrangeiro "de verdade" tem sido de entrada, mesmo que em ritmo menor, afirma Mendes. Como a bolsa brasileira caiu mais que as de outros emergentes por conta de problemas locais - escândalos políticos, juros caindo menos que o esperado - os estrangeiros estão aproveitando para comprar, especialmente depois da recente desvalorização do real, que torna os preços daqui em dólar ainda menores para os investidores externos. Além disso, há um fator técnico: como os preços caíram em dólar, os estrangeiros precisam comprar mais para manter o mesmo peso de Brasil em suas carteiras. "Mas tudo isso mostra que investidor estrangeiro continua acreditando no país, ele fez a alta no ano passado e está evitando uma queda maior neste ano", diz.
Para Mendes, de fevereiro para cá, o mercado passou por uma fase de ajuste de carteiras internacionais em função da antecipação da expectativa de alta dos juros americanas do final do ano para junho. "Mas depois das quedas dos mercados em abril e maio, parece que o grosso do ajuste foi feito", diz Mendes. Sinal disso é que os prêmios de risco pagos tanto por empresas americanas quanto de emergentes e do Brasil começam a recuar e se estabilizar em um novo nível. No caso do Brasil, o risco chegou a 800 pontos base e agora está em torno dos 700 pontos. O Índice Bovespa saiu de 24.000 pontos para 18.000 e agora está em 19.000. "Isso mostra que 600 possa ser um piso para o risco e 18.000 pontos para o Ibovespa", diz.
Apesar de parecer que o pior já passou, Mendes lembra que o momento crucial do jogo vai ser no final de junho, quando se espera que o Fed faça o primeiro movimento de correção dos juros. Por isso, até lá, todos os dados econômicos dos EUA serão fundamentais para definir a tendência dos mercados. Ele lembra também que os fundamentos do país melhoraram e que, com a alta do petróleo e da inflação aqui e os juros estáveis, o juro real deve cair, o que também favorece a bolsa. "Mas tem os 15 minutos finais do jogo que vão ser jogados em junho pelo Fed", avisa.
Para Mário Quaresma superintendente de renda variável da BankBoston Asset Management, apesar dos saques em fundos no exterior, os estrangeiros mantêm o Brasil como uma de suas principais apostas entre os emergentes. "As entradas são bem menores , mas continuam", diz. Neste cenário internacional atual, o fluxo de estrangeiros e a bolsa vão depender dos próximos números da economia americana.
Para Marcelo Mesquita, estrategista-chefe para Brasil do banco suíço UBS, apesar dos resgates em fundos dedicados, há interesse de outros investidores externos pelo Brasil. Uma prova desse interesse, diz, é a grande procura por papéis da Natura na semana passada, que chegou a ser 20 vezes maior que a oferta. "Isso mostra que tem demanda por papel daqui, mas tem de ser empresa de boa governança", diz. Para Mesquita, a correção dos preços das ações brasileiras foi "muito violenta para o tamanho do problema." Por isso agora há uma correção técnica, que pode fazer o Ibovespa recuperar o nível de 20.000 pontos e o risco-Brasil ficar entre 400 a 500 pontos.
Para Mesquita, o que ocorre não é otimismo com o Brasil, mas um ajuste à forte queda. "Para ter otimismo mesmo é preciso crescimento do investimento privado, e isso depende de privatização, reformas estruturais e medidas como a Lei de Falências e a reforma das agências reguladoras."
Luís Eduardo de Assis, diretor executivo do HSBC Investment Bank, diz que há uma diminuição temporária do apetite dos estrangeiros pelo mercado brasileiro. "Há um menor interesse dos fundos globais em mercados emergentes em geral, incluindo o Brasil, e isso é mais visível até em renda fixa que em renda variável, como mostra a queda dos preços dos papéis da dívida externa", diz.
Apesar disso, o HSBC mantém a estratégia de lançar um fundo no exterior para investimentos no Brasil. Segundo ele, o banco começará um "road show" com apresentações nos principais centros financeiros do mundo no final de junho. "Mesmo com os solavancos do mercado, vamos lançar o fundo no começo do segundo semestre, porque o Brasil tem uma história boa para contar e os preços estão bons", diz ele, lembrando que a queda recente tornou as ações brasileiras mais baratas. Segundo Assis, a bolsa brasileira na média tem uma relação Preço/Lucro (preço da ação dividido pelo lucro projetado para a empresa) de 8 para 2004. Já em outros países, esse número é muito maior, como Turquia, que tem um P/L médio de 15, Argentina e México 13 e Rússia 9.
Ele lembra que o Brasil tem algumas empresas de categoria mundial, bem administradas e não são tão conhecidas no cenário internacional. E a Bovespa tem liquidez razoável.
Para Assis, os juros estão subido lá fora, mas não vão subir tanto a ponto de impedir a diversificação em mercados emergentes. "Por isso temos fundos para China, Índia e mais adiante vamos lançar um misto Brasil, Índia e China", diz. O HSBC trabalha com um risco-Brasil de 600 pontos para 2005 e 400 pontos em 2008.
Alan Gandelman, da corretora Ágora Senior, diz que o investidor estrangeiro que está entrando no país é o investidor global. "Ele demora mais para entrar e para sair pois tem uma visão de médio prazo, e as tragédias daqui são vistas como pontuais", diz. Com a subida do dólar, esses investidores têm procurado por empresas que tenham receitas atreladas à moeda americana, como Vale e companhias de papel e celulose. Outros aproveitam para trocar papéis que subiram por pechinchas depois das quedas. Para Gandelman, um dado importante para o mercado deve ser a reunião dos produtores de petróleo, no dia 3, que pode derrubar os preços da commodity.
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