Florestas podem agravar o efeito estufa
(22/04/03)
RICARDO BONALUME NETO
O aquecimento do planeta Terra provocado pelo efeito estufa -o aumento da temperatura causado pela retenção da radiação solar na atmosfera por um cobertor de gases- poderá converter as florestas tropicais de mocinhas em bandidas. Em vez de continuarem absorvendo o elemento químico carbono, ajudando a amenizar o aquecimento global, se o clima esquentar demais, as florestas passarão a emiti-lo em grande quantidade.
Essa hipótese ganhou força agora graças a um estudo na floresta da Costa Rica, que analisou o crescimento das árvores e sua relação com a variação do carbono na atmosfera e da temperatura entre 1984 e 2000.
O carbono que interessa aos cientistas vem na forma do gás dióxido de carbono, o mesmo dos refrigerantes. Seu acúmulo na atmosfera ajuda a reter o calor da radiação solar no planeta. As árvores emitem esse gás durante a respiração, mas também absorvem carbono durante o processo de crescimento e ao captar energia solar para seu metabolismo, a chamada fotossíntese.
O problema surge quando a temperatura aumenta além de determinado ponto. As plantas passam a respirar com mais intensidade -como uma pessoa que fica ofegante. E seu ritmo de crescimento atinge um limite, a partir do qual inicia uma desaceleração.
O estudo de 16 anos foi feito na Estação Biológica La Selva, na Costa Rica, pela equipe de Deborah Clark, da Universidade de Missouri em Saint Louis, EUA. Ela e mais três colegas publicam os resultados na pesquisa na edição de hoje da revista da Academia de Ciências dos EUA, a "PNAS" (www.pnas.org).
Foram estudados espécimes de seis espécies de árvores tropicais. Os cientistas também procuraram correlacionar esses dados com a variação das emissões de gás carbono no período, além dos registros de temperatura.
O resultado foi marcante: nos anos mais quentes, por exemplo 1997/1998, as árvores na Costa Rica cresceram bem menos e houve mais emissão de dióxido de carbono nas regiões tropicais. Nesse período houve um El Niño particularmente intenso -o fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento das águas do Pacífico ao longo da costa do Peru que afeta o clima global, provocando secas e incêndios florestais.
"Como nós calculamos no artigo, baseados em uma estimativa corrente da produtividade líquida das plantas de floresta tropical -o balanço entre a fotossíntese a respiração-, apenas uma redução de 5% na fotossíntese na floresta tropical e um aumento de 10% da respiração em um ano mais quente modificariam essa produtividade em mais 4,4 gigatoneladas (4,4 bilhões de toneladas) de carbono naquele ano", afirmou Clark à Folha.
Esse índice seria verdadeiramente catastrófico: a queima pela humanidade de combustíveis fósseis como petróleo e carvão que tem causado toda a preocupação atual com a intensificação do efeito estufa tem ficado em torno de 6-7 bilhões de toneladas de carbono por ano, segundo Clark.
A pesquisadora ressalva que os dados apresentados no artigo são uma hipótese sobre o futuro das florestas tropicais. "Nós achamos que se trata de uma hipótese muito importante, consistente com os dados existentes, mas também achamos que muita pesquisa futura vai ter de ser feita para conclusivamente aceitar ou rejeitar essa possibilidade", declara Clark.
Incertezas
Ela lembra que a ciência ainda não dispõe de números confiáveis e completos sobre quanto carbono existe na floresta e quanto essa composição muda ao longo do tempo. "Nós temos diferentes ferramentas para estimar aspectos distintos do processamento de dióxido de carbono pelas florestas tropicais, mas os resultados desses estudos até hoje ainda são muito incertos", diz ela.
Apesar da incerteza, o novo estudo e outros citados no artigo mostram que a dinâmica do carbono nas florestas tropicais pode ser altamente sensível a mudanças no clima. "Ainda não é possível, entretanto, determinar os efeitos exatos e em qual temperatura eles vão ocorrer, ou a rapidez do que vai acontecer nas próximas décadas", afirma Clark.
Clark esteve em Manaus no ano passado durante a segunda conferência internacional do projeto LBA, o Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia, cujo objetivo é estudar a mudança climática na região e sua influência no clima global.
Até agora os estudos têm demonstrado que a Amazônia tem um papel importante em absorver carbono da atmosfera.
Por exemplo, Robert E. Dickinson, do Instituto de Tecnologia da Geórgia, EUA, afirmou na conferência que a bacia amazônica armazena mais que o dobro de carbono do que a produtividade líquida das plantas por ano em todo o mundo.
"As florestas da região amazônica sem dúvida têm um grande papel no ciclo global de carbono", diz Clark, que acredita que os estudos feitos por cientistas de vários países do projeto LBA estão proporcionando dados importantes. Mas, para testar a hipótese levantada pelo artigo, serão necessários mais estudos, realizados em mais florestas tropicais em outras partes do mundo.
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