Lula reduz social por mercado, diz Stiglitz
(30/06/03)
ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK
Para o economista Joseph Stiglitz, o governo Lula começou fazendo um bom trabalho, especialmente no que toca à necessidade de reformar a Previdência.
Professor da Universidade Columbia, em Nova York, e Prêmio Nobel de Economia, Stiglitz, 60, diz que, em contrapartida, o preço disso pode estar sendo o abandono inicial da agenda social.
Leia trechos da entrevista concedida por telefone da Espanha na semana passada.
Folha - No Brasil, algumas pessoas criticam o governo por não ser tão reformista quanto esperavam. Qual sua impressão, vendo de fora?
Joseph Stiglitz - Em geral, a impressão do exterior sobre o Brasil tem sido muito positiva. Acho que a maior parte das pessoas crê que o governo tem feito um trabalho muito bom no começo. Mas a questão que muitas pessoas levantam é: está havendo um custo, a agenda social foi diminuída. Para satisfazer o mercado de capitais, ele está tomando ações conservadoras. Algumas dessas ações são boas. Acho que há um consenso amplo de que algo deveria ser feito com a Previdência.
Nos EUA, Clinton gastou oito anos trabalhando muito duro para eliminar o déficit. Desistiu de uma parte muito grande de seu programa social. Ele tinha um documento chamado: "Colocando as pessoas em primeiro lugar". Era o coração de sua agenda e a maior parte dela foi congelada por causa da redução dos déficits. Agora, muita gente que estava no governo Clinton vê tudo isso como um erro, porque, menos de um ano depois, todo o trabalho de redução do déficit foi destruído por Bush.
Folha - Mas o sr. acha que o Brasil poderia deixar de controlar seu Orçamento neste momento? A dívida pública é de 56% do PIB e, em média, vence em menos de três anos. Não seria grande o risco de inflação e reação negativa do mercado?
Stiglitz - Não há resposta simples. Aumentar seu déficit é um problema para um país como o Brasil, no qual o nível de dívida já é alto. O problema nem é tanto inflação. Não está tão relacionado ao tamanho do déficit, mas sim ao nível de demanda agregada, e não há agora um problema de demanda agregada.
Folha - Há uma discussão muito grande no Brasil sobre juros. As taxas estão altas e o Banco Central tem dito que a inflação ainda é preocupação. Empresários dizem que estão enfrentando dificuldades com as taxas. O sr. acha que o BC pode estar discutindo juros sem levar em conta o desemprego?
Stiglitz - Acho que qualquer um que olhar para os juros no Brasil vai ver que as taxas são extremamente altas. Dificultam muito os negócios. Empresas americanas não poderiam operar com essas taxas. Minha visão é que se tem que se preocupar muito com inflação, mas não deixar a inflação ser a única força motriz. É preciso ter preocupação com crescimento e empregos também.
Há um risco neste momento de que a luta contra a inflação possa ter sido levada muito adiante e que se esteja dando muito pouco peso à preocupação com empregos e trabalho. Isso, certamente, terá um impacto muito grande na habilidade do governo de manter o programa social. Altas taxas de juros tornam mais difícil para o governo segurar dinheiro que poderia ir para programas sociais. Baixo crescimento significa que a renda será menor e desemprego alto significa que a magnitude do trauma social será maior.
Folha - Mas, se as taxas de juros caírem de uma vez e o país crescer muito rapidamente, o superávit comercial deve sumir depressa. Como há problemas nas contas externas, não poderia haver crise?
Stiglitz - A alta taxa de juros compõe o problema do déficit. Taxas mais baixas vão promover o crescimento e ajudar duas vezes o déficit -o crescimento maior trará maior arrecadação e os juros mais baixos vão diminuir os gastos com o serviço da dívida.
Há alternativas que governos em posições semelhantes à do Brasil têm utilizado, ou ao menos pensado em utilizar, para diminuir seus gastos com juros. Por exemplo, um governo pode aumentar as exigências de retenção de títulos governamentais com taxas de juros próximas a zero ou abaixo das do mercado, com o lucro sendo passado ao governo. Pode emitir títulos com taxas mais baixas, com algum adoçantes para torná-los atrativos.
|