O Brasil tem tudo para voltar a crescer
(07/09/03)
LUCIANO COUTINHO
Depois de 23 anos, razões objetivas permitem construir sustentação para o crescimento. Os fundamentos foram, parcialmente, resultado da determinação política do governo -de FHC no segundo mandato e do atual- na esfera fiscal e do empenho em garantir a estabilidade de preços. Esses pilares estão reassegurados graças à firmeza do presidente Lula: a inflação projetada é declinante (próxima a 6% em 2004) e, gostemos ou não, o sistema fiscal-tributário brasileiro é capaz de gerar expressivos superávits primários mesmo com a economia estagnada. Em acréscimo, está em curso a concretização do terceiro -e mais importante pilar- necessário à sustentação do crescimento: o da redução da vulnerabilidade externa da economia -através da obtenção, persistente, de um superávit comercial externo de grande escala.
A política macroeconômica deve, doravante, consolidar essas condições de sustentação: olho na inflação e zelo pelo superávit fiscal, mas, sobretudo, clareza de que a desdolarização da dívida interna pública e o aumento das reservas próprias de divisas devem constituir os objetivos prioritários para assegurar autonomia à política econômica. Nesse sentido, há que se combinar o controle da inflação com juros reais cadentes e manutenção de uma taxa de câmbio estimulante à exportação, o que só pode ser perfeitamente conciliado se passos firmes vierem a ser dados na direção da sustentabilidade do crescimento. Explico: a perspectiva credível de crescimento atrairá investimentos privados externos e internos, o que, por sua vez, permitirá suprir duas condições imprescindíveis: evitar gargalos de infra-estrutura e de capacidade exportadora impeditivos da expansão e suplementar a oferta de divisas e propiciar o reforço das reservas para assegurar juros reais bem mais baixos e manter a flutuação da taxa de câmbio numa faixa estável e competitiva. Em resumo, a consolidação da confiança na capacidade de crescer tornou-se um ingrediente-chave da solução. A renovação do acordo com o FMI deve ser compatível com essa diretriz!
Há, ainda, árduos desafios a serem vencidos. A sustentação do crescimento requer que se deslanchem o mais breve possível substanciais investimentos infra-estruturais e de expansão das cadeias competitivas. Investimentos de monta, por exemplo, são urgentes na siderurgia, na petroquímica e na cadeia madeira-celulose-papel. É, ademais, imprescindível a consolidação nesses setores de grandes empresas de capital nacional. Por outro lado, a sustentação política exige que o crescimento do emprego (a mais eficiente das políticas sociais) seja correspondido pela expansão da oferta de bens de consumo de massa, de serviços públicos e de infra-estruturas sociais. A maior parte desses investimentos é intensiva em capital e se defronta com riscos elevados -requerendo estreita coordenação entre Estado e setor privado para a criação de confiança regulatória, viabilização de parcerias e condições adequadas de "funding".
O foco inicial nas cadeias competitivas se justifica pragmaticamente pelo imperativo de assegurar resultados comerciais suficientes ao longo dos próximos anos. Não obstante, com visão de longo prazo, o desenvolvimento deveria incluir ações de política industrial e tecnológica, abrangendo setores portadores da inovação e cadeias de potencial competitivo com participação dinâmica no comércio internacional.
Há inequívoca compreensão de que os investimentos em infra-estrutura necessitam da participação do setor privado. No caso da energia, a persistência de indefinições quanto a questões básicas -de natureza regulatória e financeira- constitui motivo de preocupação. A crise é sistêmica, atinge todos os agentes (geradores, distribuidores, consumidores) e demanda solução rápida ante a perspectiva de que a retomada do crescimento absorva em poucos anos o atual excedente de energia (7,5 GW). Considerando o dilatado prazo médio de maturação dos investimentos no setor, é urgente a definição do novo modelo público-privado e de regras para os contratos a serem renovados ou iniciados.
Outro obstáculo são os sistemas logísticos deficientes e desgastados que comprometem a sustentação do desenvolvimento. A concentração excessiva no modal rodoviário (cuja malha se encontra em estado precário), os muitos pontos de estrangulamento e de desconexão do modal ferroviário e os problemas remanescentes dos portos brasileiros reclamam urgência na indução de investimentos privados e públicos.
A concretização desses investimentos requer a reorganização concertada das condições de "funding". De saída, coloca-se a imprescindibilidade de apoiar a reabilitação financeira do setor privado, que, em vários setores, foi vitimado pelos choques externos recentes (crise de energia e megadepreciações da taxa de câmbio). Acresça-se a necessidade de mobilizar o crédito bancário e o mercado de capitais. Ao governo cumpre mitigar riscos regulatórios, infundir confiança e dar suporte às engenharias financeiras. A tarefa é desafiadora e complexa, mas está ao alcance!
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Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).
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