OMC critica acordo regional e bilateral
(31/03/03)
O tailandês Supachai Panitchpakdi, diretor-geral da OMC (Organização Geral do Comércio), que defende negociações multilaterais
ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
Conflito no Iraque e divergências nas negociações comerciais despertam a preocupação do diretor-geral da OMC (Organização Geral do Comércio), Supachai Panitchpakdi. Mas, recentemente, a explosão de acordos bilaterais e regionais de comércio mundo afora é o que mais o incomoda.
Segundo Supachai, 56, ex-primeiro-ministro da Tailândia, as negociações desses acordos demandam muito esforço desses países, que acabam desviados das conversas multilaterais.
O problema disso, segundo ele, é que, no fim das contas, acordos como a Alca (Área para o Livre Comércio das Américas) acabam tomando muitos anos em suas negociações e os resultados são inferiores aos que seriam conseguidos nas negociações no âmbito da OMC.
Isso seria válido principalmente para os países em desenvolvimento, como o Brasil, país que, para ele, tem grande potencial e deve até adotar políticas industriais para diversificar suas exportações.
A guerra também ameaça distrair as atenções dos países-membros da OMC, segundo Supachai, embora ele afirme que o calendário de encontros da atual rodada comercial, lançada em Doha (Qatar) em novembro de 2001, será mantido.
Na verdade, ele admite que os esforços para a conclusão da rodada, prevista para o fim de 2004, terão de ser aumentados em decorrência das divergências dos países-membros, principalmente no que tange à agricultura.
Apesar de todas as dificuldades e das crescentes críticas de especialistas, que já vêem risco para a rodada comercial, o diretor-geral da OMC considera que as coisas ainda estão sob controle.
Toda essa calma é conseguida por meio de meditações diárias feitas por Supachai, que pratica o budismo.
Leia a seguir trechos da entrevista que Supachai concedeu à Folha por telefone.
Folha - Como o conflito no Iraque ameaça as negociações comerciais multilaterais?
Supachai Panitchpakdi - Nós seguimos normalmente com nosso calendário. É claro que adiamos alguns encontros que aconteceriam no Oriente Médio. Mas nós estamos nos movendo.
Embora a atmosfera, de forma geral, possa nem sempre ser saudável, porque os países, talvez, tenham sua atenção desviada para as hostilidades envolvidas no conflito [no Iraque], e os assuntos comerciais podem perder um pouco da prioridade.
Folha - Mas recentemente o senhor demonstrou preocupação com a guerra, em uma palestra no Instituto de Graduação para Estudos Internacionais de Genebra.
Supachai - É claro que conflitos não são condutores à criação da atmosfera cooperativa de que precisamos para que nossas negociações avancem. De outro lado, a falta de uma atmosfera política cooperativa pode nem sempre representar falta de cooperação no âmbito das relações econômicas.
Eu até ousaria dizer que, para que algumas diferenças políticas sejam reduzidas, pode ser fundamental que continuemos a criar relações econômicas fortes por meio das nossas negociações comerciais.
Folha - O senhor acredita que as relações internacionais estejam pendendo mais para o realismo do que para o liberalismo?
Supachai - Não sou capaz de discutir isso no cenário político. Mas, na minha área, eu acho que o sistema liberal, multilateral, ainda está vivo e bem. Nos encontros com os membros da OMC, fica claro que há uma opinião geral de que temos de trabalhar em busca de soluções multilaterais.
Folha - Acordos comerciais bilaterais e regionais ameaçam ou estimulam o regime multilateral?
Supachai - Neste momento, não os vejo como uma ameaça significativa. O que acho é que, em primeiro lugar, esses acordos estão aumentando muito rapidamente. Eles confundem muito os participantes porque criam todo tipo de condição. Podem nem sempre estar de acordo com as regras do Gatt (acordo comercial que foi o propulsor da OMC).
E os países que participam estão colocando esforços em algo que é muito pequeno em comparação com o regime multilateral. O envolvimento dos Estados Unidos em alguns acordos bilaterais e regionais não representa mais que 3% ou 4% do comércio total do país.
A maior parte desses acordos ainda não foi completada. Acho que, na maioria dos casos, as áreas de livre comércio e os acordos bilaterais vão depender do sucesso dos nossos esforços multilaterais para terminar de forma bem-sucedida. Não podem cobrir completamente o alcance dos itens relacionados à agricultura. Não podem cobrir os interesses dos países participantes de forma tão ampla como nós cobrimos.
Eu temo principalmente que os recursos escassos, especialmente humanos, que poderiam ser gastos na rodada de negociações de Doha acabem sendo desviados. Estou preocupado com isso.
Por isso, minha recomendação aos países é que concentrem todos os seus esforços na agenda multilateral.
Folha - O interesse dos países por acordos bilaterais e regionais não se explicaria porque essas negociações geralmente são mais rápidas?
Supachai - Eu concordo que as negociações multilaterais levem muito tempo. Mas negociações bilaterais e regionais também demoram muito, às vezes até sete ou oito anos.
E, no final, os resultados dos acordos multilaterais podem ser diversas vezes superiores aos alcançados nesses outros tipos de negociação.
Folha - Especialmente para os países em desenvolvimento?
Supachai - Sim. Os países em desenvolvimento precisam das negociações coletivas para conseguir fazer pressão pelos seus interesses. Por causa dos tamanhos das suas economias, talvez, não consigam manter peso significativo nas negociações regionais ou bilaterais.
Mas, se esses países vierem para o sistema multilateral, terão maior peso coletivo e, com certeza, manterão esse peso até o resultado final das negociações.
Folha - Hoje (31/3) venceria o prazo para que os países-membros da OMC chegassem a um acordo sobre as modalidades de liberalização da agricultura [na sexta-feira, os países desistiram de respeitar o cronograma]. Como essa falta de consenso afetará o próximo encontro em Cancún, em setembro?
Supachai - É claro que teremos de trabalhar mais. Teremos de trabalhar mais em cima das diferenças nas posturas dos países. Mas não acho que devamos olhar para o encontro de Cancún como um fórum onde devamos chegar a um acordo.
Cancún é um encontro intermediário no meio da rodada. É parte do processo para chegarmos ao fim da rodada. Cancún será um encontro no qual vamos revisar as divergências restantes e os assuntos mais difíceis.
Folha - Por que a pobreza e a desigualdade seguiram aumentando depois que os países em desenvolvimento adotaram políticas liberais, como no comércio exterior?
Supachai - Bem, as pessoas olham para o aumento da pobreza e o comércio e pensam: "Bem, o comércio externo não é saudável para a pobreza". Enquanto podemos afirmar que geralmente o que acontece em muitos casos é falta de governança apropriada, de má administração macroeconômica.
A pobreza global, na verdade, tem diminuído. E, muitas vezes, o comércio tem contribuído para isso. Na China, por exemplo, nos últimos 15 anos, 200 milhões de pessoas saíram da pobreza principalmente por causa da política de abertura comercial.
Já na África você não vê isso. E isso acontece por vários fatores: falta de recursos humanos, ameaça de doenças terríveis que dizimam recursos humanos, falta de investimento estrangeiro.
Então, o assunto da pobreza tem de ser abordado levando em consideração um amplo leque de fatores, inclusive a liberalização comercial.
Folha - O senhor concorda que os mecanismos de disputa que a OMC coloca à disposição sejam injustos, considerando que os países em desenvolvimento têm menos recursos, humanos e financeiros, do que as nações desenvolvidas?
Supachai - Eu concordo. Por isso, alguns países-membros formaram um centro de consultoria legal que presta assistência a países em desenvolvimento. Nós, na OMC, também damos assistência na fase inicial de uma disputa. Não podemos ser parte do processo, mas podemos dar assessoria em alguns aspectos técnicos.
Folha - O senhor acha que o Brasil deve se esforçar para diversificar sua pauta de exportação ou se concentrar nas suas vantagens comparativas? É eficaz, a seu ver, o uso de políticas industriais?
Supachai - O Brasil terá de reforçar suas vantagens comparativas. Por isso, acreditamos que a agricultura seja um assunto importante não só para o Brasil mas para muitos países.
Mas é claro que, a fim de aumentar de forma geral sua competitividade, não deveria se limitar à agricultura.
Muitos países da Ásia deixaram de ser exportadores de apenas uma commodity para se tornarem exportadores de vários produtos. Essa diversificação faz com que agricultura represente hoje talvez menos de 10% de suas exportações totais. Isso é o resultado exclusivo de políticas específicas.
O Brasil tem uma enorme vantagem: seu mercado interno é grande o suficiente para justificar a necessidade de diversificação. Além disso, seus países vizinhos, como os do Mercosul, também têm mercados de tamanho substancial. O Brasil tem a vantagem da diversidade, disponibilidade de muitos recursos naturais. O potencial do Brasil é enorme.
Certamente, o país deve lançar mão da política industrial. É claro que tem de melhorar a produtividade na agricultura.
Mas, ao mesmo tempo, a diversificação é fundamental para o Brasil.
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